Pesquisas recentes têm apontado para uma possível relação entre baixos níveis do hormônio cortisol e os sintomas persistentes da COVID longa. Um estudo com modelo animal conduzido por cientistas da Universidade do Colorado em Boulder, nos Estados Unidos, revelou que proteínas deixadas pelo vírus SARS-CoV-2 muito tempo após a infecção inicial podem fazer os níveis de cortisol no cérebro despencarem, inflamar o sistema nervoso e deixar as células imunes hipersensíveis a novos estressores.
O cortisol, produzido pelas glândulas adrenais, é um hormônio crucial para reduzir a inflamação, converter energia e regular o sono. Níveis cronicamente baixos de cortisol, conhecidos como hipocortisolismo, já foram associados à síndrome da fadiga crônica, que compartilha similaridades com a COVID longa.
Estudo com Hamsters Aponta Relação
No estudo publicado no periódico Brain Behavior and Immunity, os pesquisadores injetaram a subunidade S1 da proteína spike do SARS-CoV-2 no líquido espinhal de ratos. Após 7 dias, os níveis de corticosterona (hormônio equivalente ao cortisol em ratos) no hipocampo caíram 31%. Após 9 dias, a queda foi de 37%.Quando expostos posteriormente a um estressor imunológico, os ratos que receberam a proteína S1 reagiram de forma muito mais intensa, com alterações mais pronunciadas no comportamento, temperatura corporal, frequência cardíaca, neuroinflamação e ativação de células gliais (imunes) no cérebro.
Possíveis Implicações para Humanos
Embora mais estudos sejam necessários para confirmar se os achados se traduzem para humanos, os pesquisadores teorizam que a COVID longa pode seguir um processo semelhante: antígenos do SARS-CoV-2 reduzem o cortisol, que normalmente mantém sob controle as respostas inflamatórias a estressores no cérebro. Quando surge um novo estressor, seja um dia ruim no trabalho, uma infecção leve ou um treino pesado, a resposta inflamatória cerebral é desencadeada sem esses limites, trazendo de volta sintomas graves como fadiga, depressão, névoa mental, insônia e problemas de memória.
Relatórios recentes já haviam indicado níveis sanguíneos baixos de cortisol em pacientes com COVID longa em comparação com controles, persistindo por mais de 1 ano após o início dos sintomas. Curiosamente, a baixa produção de cortisol pelas adrenais deveria ser compensada por maior produção de ACTH pela hipófise, mas isso não ocorreu nesses pacientes, corroborando uma disfunção do eixo hipotálamo-hipófise possivelmente por acometimento cerebral global causado pelo vírus.
Caminhos para Diagnóstico e Tratamento
Identificar biomarcadores como o cortisol pode ajudar a distinguir pacientes com COVID longa daqueles com sintomas semelhantes por outras causas. No entanto, mais pesquisas são necessárias para entender se a desregulação hormonal é causada pela COVID longa em si ou por condições subjacentes prévias. Especialistas acreditam que “COVID longa” pode ser um termo guarda-chuva englobando várias síndromes com diferentes mecanismos, como problemas cardiopulmonares, fadiga e distúrbios gastrointestinais. Identificar quais biomarcadores se associam a cada fenótipo pode abrir portas para tratamentos direcionados.
Embora a reposição isolada de cortisol provavelmente não seja eficaz para a COVID longa por não atingir a causa raiz e ter efeitos colaterais, as descobertas sugerem que identificar e minimizar diferentes estressores pode ajudar a controlar os sintomas. Erradicar reservatórios teciduais onde o vírus se esconde também pode ser uma abordagem a se explorar.
Fontes:
https://www.intramed.net/content/103747
https://www.scielo.br/j/abc/a/grk6Gtv3VQh6vzWGqqg4kGw/
https://www.colorado.edu/today/2024/08/19/low-cortisol-may-play-role-fueling-long-covid-study-suggests
https://portugues.medscape.com/verartigo/6510440