22 abril, 2025

Antidepressivos aceleram o declínio cognitivo em pacientes com demência, revela estudo sueco

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Um novo estudo conduzido por pesquisadores do respeitado Instituto Karolinska, na Suécia, lançou um alerta mundial: o uso de antidepressivos, especialmente os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), pode acelerar o declínio cognitivo em pacientes com demência. A pesquisa, publicada em fevereiro de 2025 na revista científica BMC Medicine, analisou dados de quase 19 mil pacientes diagnosticados com demência e acompanhados por até 11 anos em todo o território sueco. O estudo teve como foco a associação entre o uso contínuo de antidepressivos e a deterioração da função cerebral, medida através do Mini Exame do Estado Mental (MMSE), um teste cognitivo padronizado usado mundialmente para monitorar a progressão da demência.

O que são os ISRS e por que isso importa?

Os ISRS — sigla para “inibidores seletivos da recaptação de serotonina” — são uma classe de antidepressivos que age aumentando a quantidade de serotonina disponível no cérebro, um neurotransmissor essencial na regulação do humor, sono e apetite. Entre os ISRS mais prescritos estão o escitalopram (Lexapro), a sertralina (Zoloft) e o citalopram (Celexa), todos amplamente utilizados no Brasil, inclusive pelo SUS. Embora considerados seguros em adultos saudáveis, a nova pesquisa indica que esses fármacos podem não ter o mesmo perfil em pessoas com demência. Segundo o estudo, pacientes tratados com esses medicamentos apresentaram um declínio cognitivo de até 0,76 pontos a mais por ano no MMSE do que aqueles que não faziam uso de antidepressivos.

Escitalopram, Sertralina e Citalopram: os mais preocupantes

A análise estatística revelou que os efeitos negativos foram mais significativos entre pacientes com demência mais avançada (MMSE inicial abaixo de 10 pontos), e em usuários de doses mais elevadas de ISRS. Escitalopram liderou a lista com a maior taxa de declínio cognitivo, seguido de citalopram e sertralina. Já a mirtazapina, outro antidepressivo que atua de forma diferente dos ISRS, também foi associada à perda cognitiva, embora em menor grau. Além da função cerebral, os pesquisadores identificaram riscos adicionais entre os usuários regulares de ISRS, como aumento de fraturas ósseas e maior mortalidade geral. Esses efeitos colaterais podem ser especialmente problemáticos para idosos frágeis e institucionalizados.

Prescrever sem cautela pode agravar o problema

O estudo, conduzido com rigor metodológico, utilizou registros nacionais de saúde suecos — como o Swedish Dementia Registry (SveDem) — que garantem alta precisão nos dados. Os autores, entre eles a neurologista Sara Garcia-Ptacek, destacam que o objetivo não é alarmar a população, mas promover maior atenção dos profissionais de saúde na prescrição desses medicamentos.

“Depressão é um problema grave e merece tratamento, inclusive em pacientes com demência. Mas precisamos entender melhor quais antidepressivos oferecem mais segurança e menos riscos cognitivos nesse grupo vulnerável”,

explicou Garcia-Ptacek em nota à imprensa. A pesquisadora reforça a importância de avaliações contínuas durante o tratamento para equilibrar riscos e benefícios.

Depressão ou demência? Quando os sintomas se confundem

O quadro se torna ainda mais complexo quando se considera a sobreposição de sintomas entre a depressão e a própria demência. É comum que pacientes com Alzheimer ou demência vascular apresentem apatia, insônia, perda de interesse e dificuldades de concentração — sintomas que também fazem parte da depressão clínica. Isso pode levar à prescrição excessiva de antidepressivos sem diagnóstico claro, aumentando o risco de efeitos adversos. Além disso, o estudo apontou que a depressão em pacientes com demência pode ter origem fisiológica distinta da depressão tradicional, tornando menos eficazes os medicamentos usados para tratar o transtorno em pessoas com cognição preservada.

No Brasil, onde o envelhecimento populacional é acelerado e os casos de demência estão em constante crescimento, os achados têm implicações diretas para a política pública de saúde. Muitos idosos em unidades de longa permanência fazem uso de antidepressivos sem acompanhamento psiquiátrico especializado. A pesquisa sueca sugere a urgência de protocolos mais cuidadosos e personalizados, considerando o tipo e estágio da demência, o histórico do paciente e os efeitos cumulativos das medicações. Como alternativa, o estudo recomenda considerar abordagens não medicamentosas no controle de sintomas depressivos, como atividades sociais, terapia ocupacional, exercícios físicos leves e apoio psicoterápico.

E, diante de tudo isso, uma pergunta inquieta permanece no ar: será que a medicina moderna tem se apoiado demais em respostas químicas para lidar com sofrimentos emocionais de origem multifatorial, especialmente entre os mais vulneráveis? Ao tratar a tristeza ou a ansiedade dos idosos com pílulas padronizadas, estaríamos acelerando o esvaziamento daquilo que eles mais lutam para preservar — sua memória, sua identidade e, em última instância, sua dignidade? Os dados estão postos, os riscos estão mapeados. Cabe agora à sociedade — médicos, familiares, gestores e cuidadores — escolher com responsabilidade os próximos passos.

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